Timbre

GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Polícia Civil do Estado de Minas Gerais​

Assessoria Geral

 

Ofício DETRAN/ASSJUR-ASS nº. 1814/2022

Belo Horizonte, 21 de março de 2022.

Exmo. Sr

Dr. Licurgo Mourão

Conselheiro Relator do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais 

2ª Câmara

Av. Raja Gabaglia, 1.315 – Bairro Luxemburgo 

CEP 30380-435            Belo Horizonte/MG

 

PROCESSO: 1114683

NATUREZA: Denúncia

DENUNCIANTE: Associação de Clínicas de Trânsito do Estado de Minas Gerais

DENUNCIADO: Departamento de Estado de Trânsito de Minas Gerais – Detran/MG

 

 

Referência: Ofício nº 4026/2022 – Secretaria 2ª Câmara

 

Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator, 

 

Cumprimentando-o cordialmente, valhamo-nos do presente para responder à intimação expedida nos autos do processo acima epigrafado para que no prazo de 05 (cinco) dias este subscritor preste esclarecimentos acerca dos fatos e irregularidades apontadas na denúncia 1114683, relativas à Portaria n. 23/2022, bem como envie documentação comprobatória das alegações.

Trata-se de denúncia oferecida pela ASSOCIAÇÃO DE CLÍNICAS DE TRÂNSITO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - ACTRANS, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 15.578.852/0001-38, a esta Corte de Contas face à Portaria n° 23, de 11 de janeiro de 2022, do Departamento de Trânsito de Minas Gerais – DETRAN/MG, que regulamenta o funcionamento e os procedimentos para o credenciamento de clínica médica e psicológica, para realizar exames de aptidão física e mental e de avaliação psicológica em candidatos à obtenção de permissão para dirigir veículo automotor, à renovação da Carteira Nacional de Habilitação, à mudança e adição de categoria, registro de Carteira Nacional de Habilitação de outros Estados da Federação e internacionais no Brasil, nos candidatos a Diretor-Geral, Diretor de Ensino, instrutor e Examinador de Trânsito e candidatos a outros cursos, e dá outras providências, visando a apuração das ilegalidades contidas no referido instrumento normativo, com a anulação do certame, bem como a concessão de medida cautelar para suspender os credenciamentos de clínicas de trânsito perante o Órgão de Trânsito.

A denunciante alega que a Portaria nº 23/2022 do DETRAN além de afrontar a legislação pátria, descumpre acordo formulado com o Ministério Público do Estado que tinha o condão de regular de forma adequada e eficiente o serviço, bem como os princípios essenciais para que o certame a que se propõe ocorra de forma isonômica, impessoal, proporcional e transparente.

Segundo a denunciante as principais razões da representação são:

1. A violação da competência normativa privativa da União, dado que a Portaria do DETRAN-MG traz diversas inovações no tocante ao credenciamento de clínicas que não estão contempladas na norma federal;

2. A violação ao princípio da eficiência previsto no artigo 37, caput, da Constituição Federal, uma vez que o ato regulamentar não garante a expansão do serviço público, bem como não é realizado de acordo com a capacidade fiscalizatória do órgão.

Embora respeitáveis os argumentos apresentados pela denunciante, estes evidentemente não se coadunam com a realidade fática, tampouco com o ordenamento jurídico vigente.

É o que restará demonstrado.

 

I. DA VIOLAÇÃO À COMPETÊNCIA NORMATIVA

 

De acordo com o artigo 22, XI, da CRFB/88, compete privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte. Tais matérias só podem ser regulamentadas por outros entes federativos na hipótese de a União, por meio de Lei Complementar, autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias previstas no referido art. 22, nos termos do que prevê o parágrafo único deste artigo.

O respeito à distribuição de competências, previsto no texto constitucional, garante a Separação de Poderes, previsto no art. 2º da CF/88, um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil.  Logo, forçoso reconhecer que, tratando-se de competência legislativa privativa de um ente da federação, outro não poderá legislar sobre o assunto reservado, sob pena de usurpação de competência constitucional, como mencionado.

Assim, o trânsito brasileiro é regulamentado pela Lei nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro – CTB, pelas Resoluções complementares do CONTRAN e pelas Portarias do SENATRAN (antigo DENATRAN). Além do CTB e das Resoluções, os Estados podem complementar a legislação por meio de normas específicas, como Portarias e Decretos. 

A esse respeito, consta no artigo 22 do CTB as competências do DETRAN/MG, cabendo a este Órgão de Trânsito, dentre outras responsabilidades, cumprir as determinações e orientações do CONTRAN e SENATRAN (antigo DENATRAN), assim como cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito e credenciar órgãos ou entidades para a execução de atividades previstas na legislação de trânsito, na forma estabelecida em norma do CONTRAN, dentre outros:

 

Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:

- cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito das respectivas atribuições;

(...)

V - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis pelas infrações previstas neste Código, excetuadas aquelas relacionadas nos incisos VI e VIII do art. 24, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;

(...)

X - credenciar órgãos ou entidades para a execução de atividades previstas na legislação de trânsito, na forma estabelecida em norma do CONTRAN;

XI - implementar as medidas da Política Nacional de Trânsito e do Programa Nacional de Trânsito;

XII - promover e participar de projetos e programas de educação e segurança de trânsito de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo CONTRAN;

(...)

XVI - articular-se com os demais órgãos do Sistema Nacional de Trânsito no Estado, sob coordenação do respectivo CETRAN.

 

No que tange ao credenciamento de clínicas, a Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro/CTB) disciplina em seu artigo 148, in verbis:

 

Art. 148. Os exames de habilitação, exceto os de direção veicular, poderão ser aplicados por entidades públicas ou privadas credenciadas pelo órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN.

§ 1º A formação de condutores deverá incluir, obrigatoriamente, curso de direção defensiva e de conceitos básicos de proteção ao meio ambiente relacionados com o trânsito.

§ 2º Ao candidato aprovado será conferida Permissão para Dirigir, com validade de um ano.

§ 3º A Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média.

§ 4º A não obtenção da Carteira Nacional de Habilitação, tendo em vista a incapacidade de atendimento do disposto no parágrafo anterior, obriga o candidato a reiniciar todo o processo de habilitação.

§ 5º O Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN poderá dispensar os tripulantes de aeronaves que apresentarem o cartão de saúde expedido pelas Forças Armadas ou pelo Departamento de Aeronáutica Civil, respectivamente, da prestação do exame de aptidão física e mental.

 

O mesmo diploma legal também prevê em seu artigo 156:

 

Art. 156. O CONTRAN regulamentará o credenciamento para prestação de serviço pelas auto-escolas e outras entidades destinadas à formação de condutores e às exigências necessárias para o exercício das atividades de instrutor e examinador.

 

À luz da previsão insculpida no Código de Trânsito Brasileiro, o  Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) regulamentou a matéria por meio da Resolução nº 425/2012. O artigo 15 disciplina acerca do credenciamento e renovação, senão vejamos:

 

Art. 15. As entidades, públicas ou privadas, serão credenciadas pelo órgão ou entidade executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, de acordo com a sua localização e em conformidade com os critérios aqui estabelecidos.

§ 1º As entidades credenciadas deverão manter o seu quadro de peritos examinadores atualizado junto ao órgão que a credenciou.

§ 2º O prazo de vigência do credenciamento será de um ano, podendo ser renovado sucessivamente desde que observadas às exigências desta Resolução.

§ 3º A cada dois anos as entidades, públicas ou privadas, credenciadas deverão comprovar o cumprimento do disposto nos artigos 16 a 23, junto aos órgãos ou entidades executivas de trânsito do respectivo Estado ou do Distrito Federal onde estiverem credenciadas.

 

No mesmo sentido, o Estado de Minas Gerais publicou o Decreto Estadual nº 47.626/2019 que "Dispõe sobre o credenciamento de clínicas médicas e psicológicas, em localidades atendidas por banca examinadora, para realizar exames de aptidão física e mental e de avaliação psicológica em candidatos à permissão para dirigir veículo automotor, à renovação da Carteira Nacional de Habilitação e à troca de categoria e dá outras providências."

Visando padronizar os procedimentos para o credenciamento de clínica médica e psicológica no Estado de Minas Gerais, o DETRAN-MG editou a Portaria n° 23, de 11 de janeiro de 2022.

Porquanto, destaca-se que no Direito Administrativo brasileiro, vigora o dogma consagrado por Seabra Fagundes: “Administrar é aplicar a lei de ofício”(Seabra Fagundes, Miguel. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. P. 45.). Considerando que, com fundamento na reserva de lei, Hely Lopes Meirelles consagrou a célebre conclusão de que: “Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”. (Meirelles, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. Ed. São Paulo: Malheiros, 1998. P. 85).

Ademais, imperioso destacar o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 5774 (Numeração Única 9034445-06.2017.1.00.0000), que declarou ser inconstitucional a Lei Estadual nº 20.805/2013, lei esta que conforme ementa "dispõe sobre o quantitativo de clínicas médicas e psicológicas credenciadas para realizar exames em candidatos à permissão para dirigir veículo automotor, à renovação da carteira nacional de habilitação e à troca de categoria e dá outras providências", reconhecendo que os Estados não têm competência para legislar sobre as matérias de trânsito, exclusiva da União. Na conclusão do acórdão, o STF destacou a necessidade de incontinenti correção da norma limitadora, com alerta sobre possibilidade de responsabilização dos gestores que não cumprirem a decisão (página 18 do Acórdão - documento 39021879). 

Ainda no que se refere à mencionada ADI nº 5774/2020, salienta-se que, por meio da Nota Técnica 230/2020 (Doc. 12561732 - SEI 1510.01.0046181/2020-35), o CONTRAN concluiu que a matéria tratada na ADI nº 5774/2020 já é devidamente regulamentada pelo órgão, cabendo aos Departamentos de Trânsito nos Estados cumprir com as normas regulamentares do CONTRAN sobre o assunto, a fim de garantir as prestações do serviço mencionado, conforme conclusão abaixo:

 

"Diante do exposto, em que pese o pedido de providências, materializado no Requerimento nº 4.223/2019 da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, para que o CONTRAN viabilize a adequação da decisão do STF (ADInº 5774/MG), "que concluiu pela inconstitucionalidade da Lei Estadual n° 20.805/2013, que dispõe sobre o credenciamento de clínicas médicas e psicológicas, bem como de fabricantes de placas e tarjetas de veículos, de forma que sejam garantidos valores justos e acessíveis para aquisição dessas placas, pelos cidadãos mineiros", a Coordenação-Geral de Apoio Técnico e Fiscalização (CGATF) esclarece que a União, por meio do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), já regulamentou a prestação de serviços e o necessário credenciamento de clínicas médicas e psicológicas, bem como de fabricantes de placas e tarjetas de veículos, respectivamente, na Resolução CONTRAN nº 425, de 27 de novembro de 2012 e na Resolução CONTRAN nº 780, de 26 de junho de 2019.
Neste sentido, devem os órgãos e entidades executivos de trânsito, os DETRAN, observar, no âmbito das Unidades Federativas, as normas regulamentares expedidas pelo CONTRAN, a fim de garantir as prestações de serviços supramencionadas. Desta feita, entende-se que a manifestação contida no Requerimento nº 4.223/2019, da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, juntamente com a manifestação do DENATRAN, devem ser encaminhadas para atendimento por parte do DETRAN/MG."

 

Constata-se, portanto, que o Estado de Minas Gerais/DETRAN-MG não pode limitar os referidos credenciamentos com base no número de eleitores, uma vez que a competência para legislar sobre as matérias de trânsito é exclusiva da União, sendo que esta, por meio do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), já regulamentou a prestação do serviço e o necessário credenciamento de clínicas médicas e psicológicas por meio da Resolução CONTRAN nº 425, de 27 de novembro de 2012.

De igual modo, destaca-se que na Ação Civil Pública Cível, processo nº 5068900-45.2017.8.13.0024, que tramitou na 5ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte/MG, foi proferida decisão judicial que "JULGO PROCEDENTE o pedido formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO face o ESTADO DE MINAS GERIAS, declarando a nulidade dos artigos 7º e 8º do Decreto Estadual 45.762/2011, para impor à Administração Estadual a obrigação de não fazer, consistente em abster-se de estabelecer limite quantitativo de qualquer espécie para o credenciamento de novos CFC - Centros de Formação de Condutores e de “Entidades” privadas dedicadas à formação de condutores de veículos automotores e de profissionais que exerçam atividades de formação de instrutor de trânsito, diretor geral e diretor de ensino para CFC ́s e examinadores de trânsito no território estadual".

Em relação ao acordo firmado com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em razão do Inquérito Civil Público nº 0024.08.000123-3, instaurado com vistas a apurar a existência de supostas irregularidades no credenciamento de Clínicas de Exames Médicos e Psicológicos, este foi arquivado ante a celebração de um Protocolo de Intenções que acabou por disciplinar os contornos gerais dos procedimentos relacionados à forma de credenciamento e recredenciamento destas clínicas, fixando as diretrizes gerais relacionadas ao credenciamento e recredenciamento de Clínicas de Exames Médicos e Psicológicos.

No que tange às alegações da denunciante de que a Portaria do DETRAN-MG extrapola integralmente as exigências trazidas pelo CONTRAN ao impor às clínicas que detenham equipamento de coleta de biometria, este não merece prosperar considerando que o DENATRAN estabeleceu os procedimentos de coleta e armazenamento da biometria nos processos de habilitação, mudança ou adição de categoria e renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e constituição do Banco de Imagens do Registro Nacional de Condutores Habilitados (RENACH), através da Portaria nº 1.515, de 18 de dezembro de 2018.

Referido ato normativo estabelece em seu art. 2º a competência dos órgãos executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal pelo gerenciamento da biometria, senão vejamos:

 

Art. 2º Cabe aos órgãos executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal a responsabilidade pela implantação, operação da coleta e armazenamento da biometria (imagens de fotografia, assinatura e impressões digitais) nos processos de habilitação.

 

Nota-se, assim, que todos os equipamentos a serem empregados com o escopo de obtenção de imagens da fotografia, assinatura e impressões digitais, no processo de habilitação estão claramente dispostos e delimitados no Anexo I da Portaria Denatran nº 1.515/2018.

Nesse sentido, encaminhamos os Memorando.DETRAN/DH-GAB.nº 226/2022 (44076118) e Memorando.DETRAN/DH-GAB.nº 229/2022 (44149860), oriundos da Divisão de Habilitação esclarecendo que:

 

Considerando a intimação oriunda do Egrégio Tribunal de Contas, para que o Diretor deste Detran preste esclarecimentos acerca dos fatos e irregularidades apontadas em "denúncia", relativas à Portaria n. 23/2022, sob o alegação de extrapolar exigências para que as novas Clínicas que pleiteiam credenciamento necessitarem de adquirir equipamentos para coleta e atualização de dados biométricos e de fotografia, esclareço que essa exigência foi discutida internamente, por meio do Processo SEI nº 1510.01.0241379/2021-84. No tocante a alegação de que tal exigência "extrapola integralmente as exigências trazidas pelo CONTRAN, exigindo que as clínicas apresentem equipamentos que não estão previstos na norma federal", passo a apreciação de Vossa Excelência, por se tratar de análise jurídica.

 

Em complementação ao Memorando 226, entendemos ainda relevante esclarecermos a seguinte informação técnica:

O Código de Trânsito Brasileiro e as normas do CONTRAN trazem diretrizes técnicas, mas não exaurientes, uma vez que há margem de discricionariedade aos Órgãos Executivos de Trânsito em exercerem suas gestões acerca dos contratos e meios operacionais pertinentes ao próprio processo de habilitação e renovação da CNH. Portanto, não há que se falar em extrapolação de normas, muito menos de inovação de competência normativa, a exigência de aquisição dos equipamentos para captura de assinatura, digitais e fotografia a serem coletadas pelas clínicas credenciadas. O processo de habilitação e renovação inicia-se exatamente na clínica credenciada como parceira do Detran, que é a "porta de entrada". Sem essa coleta, não há condições de sequer iniciar-se o processo de habilitação e renovação da CNH, pois somente a partir desse início se dá o start para a comunicação com a Base Nacional e para criação do Registro Nacional da Carteira de Habilitação - RENACH. (grifo nosso)

 

Assim, conforme é possível se verificar na conclusão da manifestação opinativa da Assessoria Jurídica do DETRAN/MG, exarada por meio do Memorando Detran.DETRAN/ASSJUR-ASS.nº 2522/2021, o qual consta no SEI 1510.01.0241379/2021-84 acima mencionado:

 

Por todo o exposto, examinada a demanda tão somente no que concerne aos seus aspectos jurídico-formais, abstraída qualquer consideração acerca das questões procedimentais técnicas, da conveniência do ato e da oportunidade, não substituindo a decisão técnica de análise no caso concreto, esta Assessoria Jurídica opina, smj, no seguinte sentido:

 

a) As diretrizes e especificações técnicas para coleta e utilização dos dados biométicos, quais sejam, imagens da fotografia, assinatura e impressões digitais, estão elencadas no Anexo I da Portaria Denatran nº 1515/2018. Assim, os equipamentos empregados na captura de dados biométricos devem atender a todos os requisitos contidos no citado diploma expedido pelo Denatran (atual SENATRAN).

 

b) Cabe à área técnica verificar se, no caso concreto, os equipamentos e ferramentas apresentados para captura de dados biométricos (imagens da fotografia, assinatura e impressões digitais) atendem aos requisitos técnicos dispostos no Anexo I da Portaria Denatran n° 1515/2018.

 

c) A indicação de marca nos procedimentos licitatórios é, em regra, vedada, consoante § 7º do art. 15 e inciso I do art. 25 da Lei  n° 8.666/1993. Contudo, quando ocorrer a indicação de marca na identificação dos equipamentos, para não ferir o princípio da isonomia, deverá ser amparada em justificação expressa de ordem técnica, sem influências pessoais, e que tenham um fundamento científico, consoante disposto no art. 7º, § 5º, da Lei n° 8.666/1993.

 

d) Consoante entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE/MG), a indicação de marca de equipamentos pode ocorrer como simples forma ou parâmetro de qualidade do objeto para facilitar a sua descrição, sendo que, neste caso, deve-se necessariamente acrescentar expressões do tipo “ou equivalente”, “ou similar” e “ou de melhor qualidade”. Ademais, é vedada a escolha do equipamento fundada exclusivamente em uma preferência arbitrária e subjetiva pela marca, haja vista que esse processo de escolha envolve elementos psicológicos característico de predileção do particular, levando em conta preferências pessoais. (TCEMG, Processo: 849726; TCEMG, Denúncia n. 1031458; TCU, Acórdão n° 113/2016 - Plenário)

 

De igual modo,  verifica-se a manifestação do Centro de Processamento de Despesas, no Memorando.DETRAN/CPD.nº 531/2021, informando à Divisão de Habilitação que:

 

Atendendo solicitação nos termos do Memorando 1249/2021 38568605, frente ao que compete a este CPD como orientação geral à formalização dos procedimentos de contratação, realizamos encaminhamento à Assessoria Jurídica opinando pela possibilidade da exigência e vinculação dos equipamentos junto à Portaria de Credenciamento a ser elaborada por esta Divisão 38800827, sendo tal entendimento corroborado pelo parecer jurídico 39337281, onde s.m.j., concluímos que mediante avaliação técnica pela existência da necessidade e imprescindibilidade de vinculação ao instrumento convocatório a exigência de determinados equipamentos, verifica-se a legalidade do procedimento.

 

Desse modo, verifica-se que os equipamentos a serem empregados com o escopo de obtenção de imagens da fotografia, assinatura e impressões digitais no processo de habilitação são exigências estabelecidas pela Portaria nº 1.515, de 18 de dezembro de 2018, devendo, portanto, apresentar capacidade técnica para atender aos aludidos requisitos elencados pelo Denatran (atual SENATRAN).

Isto posto, não se trata de inovação legislativa por parte deste Órgão de Trânsito a exigência de equipamento para coleta de biometria, uma vez que o CTB é expresso em prever que cabe ao DETRAN/MG, assim como a todos os DETRANs no país, cumprir com as determinações do CTB e do CONTRAN, conforme previsão em seu art. 22, inciso I.

A esse respeito, além de estar vinculado às Resoluções expedidas pelo CONTRAN, é importante esclarecer que o DETRAN/MG é vinculado à interpretação que o CONTRAN realiza do CTB e das suas respectivas resoluções, conforme determina o artigo 12, VII do Código de Trânsito Brasileiro.

 

II. Da Violação ao Princípio da Eficiência

 

A ACTRANS arguiu violação do princípio da eficiência pelo Órgão de Trânsito do Estado de Minas Gerais, uma vez que não há um planejamento de expansão do serviço para municípios mais distantes dos grandes centros e com menor atratividade aos profissionais.

Ainda segundo a denunciante, "Essa realidade, aliada a mencionada natureza pericial da atividade, coma exigência de titulação específica, torna imperioso que o credenciamento se dê privilegiando os municípios que não possuem clínicas credenciadas. A adoção de caminho diverso tende a criar instabilidade nos locais em que o serviço já é prestado e, na outra ponta, não alargará a zona de abrangência do serviço. (...) Nesse aspecto, mencionar que o credenciamento para esses municípios está devidamente aberto não é juridicamente eficiente e nem eficaz, haja vista que, ao abrir nos grandes centros, potencializa a procura exclusivamente nessas localidades, deixando desamparada a população mais afastada".

Sobre as ponderações apresentadas pela Associação de Clínicas, cabe tecer algumas considerações acerca do instituto do credenciamento.

Cumpre salientar de antemão que inexistia no ordenamento jurídico brasileiro  legislação específica que regulamentasse o credenciamento, tratando-se de criação da doutrina e jurisprudência dos Tribunais de Controle, reconhecido pelo Tribunal de Contas da União (Decisão nº 307/2000 – Plenário; Acórdão 351/2010 – Plenário; Decisão nº 494/94; Decisão nº 604/95 – Plenário), que, inclusive, dispõe de orientações para sua efetividade.

Dessa forma, a doutrina e jurisprudência adotam o posicionamento de que o credenciamento é uma forma de contratação direta adotada pela Administração Pública, que possui como fundamento a inviabilidade de competição prevista no caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93.

A inviabilidade, resultaria da possibilidade de contratação de todos os interessados do ramo do objeto pretendido e que atendam às condições mínimas estabelecidas no regulamento.

O que justifica a existência do credenciamento é o interesse público de obter o maior número possível de particulares realizando a prestação, tendo em vista que a necessidade da Administração não restará atendida com a contratação de apenas um particular ou um número limitado destes.

Assim, diante da impossibilidade de escolher um interessado, bem como da ausência de possibilidade de selecionar a melhor proposta, se não há competição que justifique a licitação, essa se torna inexigível, autorizando-se a contratação dos credenciados, com fulcro no art. 25, caput, da Lei nº 8.666/93.

Cabe salientar, contudo, que Lei Federal nº 14.133/21, de 1º de abril de 2021, Lei de Licitações e Contratos Administrativos, que acolhe e confirma o entendimento consolidado da Corte de Contas a respeito da matéria, conforme previsões constantes em seu artigos 6º, inciso XLIII (conceito do instituto); 74, inciso IV (previsão expressa de inexigibilidade de licitação em razão da contratação por meio de credenciamento); 78, inciso I (previsão do credenciamento como procedimento auxiliar das licitações e das contratações regidas pela Lei); e 79 (estabelece as hipóteses em que o credenciamento poderá ser adotado, bem como seus requisitos).

Segundo a doutrina de Joel de Menezes Niebhur:

 

O credenciamento é espécie de cadastro em que se inserem todos os interessados em prestar certos serviços, conforme regras de habilitação e remuneração prefixadas pela própria Administração Pública. Todos os credenciados celebram, sob as mesmas condições, contrato administrativo, haja vista que, pela natureza do serviço, não há relação de exclusão, isto é, o serviço a ser contratado não precisa ser prestado com exclusividade por um ou por outro, mas é prestado por todos.

(NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública. 4 ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2015)

 

Nesse mesmo sentido, Ronny Charles Lopes de Torres, em sua obra Leis de Licitações Públicas comentadas, dispõe que o credenciamento é uma hipótese de inexigibilidade de licitação na qual “a Administração aceita como colaborador todos aqueles que, atendendo as motivadas exigências públicas, manifestem interesse em firmar contrato ou acordo administrativo.” (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas comentadas. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 348).

Como observa Marçal Justen Filho:

 

(...) somente se impõe a licitação quando a contratação pressupuser a competição entre os particulares. Somente se pode conceber a necessidade de licitação nesses casos de competitividade. São as situações de excludência, em que a contratação pela Administração com determinado particular exclui a possibilidade de contratação de outrem. Já que haverá uma única contratação, excludente da viabilidade de outro contrato ter o mesmo objeto, põe-se o problema da seleção da alternativa mais vantajosa e do respeito ao princípio da isonomia. É necessário escolher entre diversas alternativas e diferentes particulares interessados. A licitação destina-se a assegurar que essa escolhas eja feita segundo valores norteadores do ordenamento jurídico.

(JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitação e Contratos Administrativos. Op. Cit. P. 46)

 

Contudo, como adverte Joel de Menezes Niebuhr:

 

Logo, para realizar o credenciamento, é necessário que a Administração Pública elabore documento que regulamente quais as atividades a serem prestadas pelo credenciado, quais as condições para o credenciamento, qual o regime de execução do contrato e quanto ela se compromete a pagar a título de contraprestação. Assim, todos os interessados que atendam às condições do credenciamento acabam por serem contratados, sob as mesmas condições, tais quais prescritas no aludido regulamento.

(...)

Importantíssimo é que todos os interessados em colher os benefícios econômicos do contrato sejam credenciados. Não deve haver limites para o credenciamento, número máximo de credenciados (...).

(NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública. 4 ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2015)

 

O sistema de credenciamento é, portanto, um conjunto de procedimentos por meio dos quais a Administração credencia, mediante edital, todos os prestadores aptos e interessados em realizar determinado objeto, quando o interesse público for melhor atendido com a contratação do maior número possível de prestadores simultâneos.

Insta salientar que a Administração Pública deve se pautar ainda no princípio da legalidade, da supremacia do interesse público, ou seja, da finalidade pública, não podendo o interesse privado ser sobreposto ao interesse público, com o devido respeito ao princípio da impessoalidade, sob pena de improbidade administrativa.

A Advocacia Geral do Estado, por meio do Parecer nº 16.416, emitido em 04 de janeiro de 2022 concluiu que:

 

70. Quanto à modalidade de contratação via credenciamento, e principalmente levando-se em conta as linhas gerais do instituto trazidas pela nova Lei de Licitações, entendemos que, ressalvada previsão legal expressa, o instituto não é modalidade que se compatibiliza com a restrição pura no número de empresas habilitadas a prestar o serviço ou exercer a atividade econômica demandada pela Administração.

71. Ainda que assim não fosse, a fixação de critérios quantitativos a partir da viabilidade econômico-financeira para os prestadores não atende aos pressupostos legais do credenciamento nem ao horizonte normativo traçado pela Resolução CONTRAN nº 425/2012.

 

Questionada pelo DETRAN/MG sobre a abertura de novo novo credenciamento de clínicas no Estado de Minas Gerais de forma parametrizada com a capacidade fiscalizatória do DETRAN, visando a efetividade do serviço público, a AGE entende que a abertura de novo credenciamento de clínicas no Estado de Minas Gerais pode e deve ser parametrizado com a capacidade fiscalizatória do DETRAN/MG, aliada a outros elementos como necessidade do serviço e comodidade à população, senão vejamos:

 

72. Sim. Sobretudo após o advento da Lei nº 14.071, de 2020, que introduziu modificação no art. 147 do CTB, impondo aos órgãos de trânsito dos Estados que realize, pelo menos 1 (uma) vez por ano, a fiscalização das entidades credenciadas e dos profissionais responsáveis pelo pelos exames de aptidão física e mental e pela avaliação psicológica dos candidatos, a abertura de novo credenciamento de clínicas no Estado de Minas Gerais pode e deve ser parametrizada com a capacidade fiscalizatória do DETRAN/MG, aliada a outros elementos como necessidade do serviço, a eficiência e a própria comodidade à população.

73. Contudo, entendemos que uma vez aberto o credenciamento em determinado Município, existe um alto risco jurídico de serem questionadas eventuais limitações quantitativas ao número de empresas credenciadas, pelas razões já expostas ao longo desse parecer.

 

Ainda segundo entendimento externado da AGE:

 

64. O que a Consulente precisa é orientar a edição do ato normativo que pretende pelas balizas traçadas na legislação federal, especialmente na Resolução CONTRAN n° 425/2012, e pelas matizes constantes no protocolo de intenções que firmou com o Ministério Público. Desde que observe essa lógica, pensamos que o DETRAN pode e deve realizar o credenciamento de clínicas voltado para a expansão gradativa do serviço, sempre respaldada em estudos técnicos que demonstrem o cabimento e a necessidade da medida.

(..)

67. Não obstante, caso o gestor opte pela limitação quantitativa do número de vagas por meio de portaria, o critério, a nosso ver, jamais poderia ser baseado na viabilidade econômica para o prestador, mas em razões de conveniência e oportunidade para a Administração, objetivando sempre o atendimento do interesse público, e não do interesse privado das empresas prestadoras.

 

Assim, considerando o entendimento do STF expresso na ADI nº 5774, o entendimento do CONTRAN expresso na Nota Técnica 230/2020, bem como o Parecer nº 16.416 da Advocacia Geral do Estado, a definição de critérios limitativos de número de clínicas só poderá ser implantado por este Departamento de Trânsito caso sobrevenha Resolução do CONTRAN contendo norma regulamentadora neste sentido, ou caso sobrevenha Lei Complementar Nacional que delegue competência legislativa sobre a matéria em comento aos Estados. 

Ademais, entendemos que o constante aprimoramento da capacidade fiscalizatória pelo órgão de trânsito é importante e muito salutar, estando em perfeita sintonia com os princípios normativos que regem a matéria.

Por todo o exposto, não assiste razão a pretensão da denunciante, em função de não ter sido verificada qualquer abuso ou ilegalidade nos atos praticados pelo Diretor do DETRAN/MG ao editar a Portaria nº 23/2022 do DETRAN-MG, que apenas cumpriu o comando legal, não havendo fundamento relevante para a concessão da medida cautelar para suspender os credenciamentos de clínicas de trânsito perante o DETRAN-MG pretendida pela ASSOCIAÇÃO DE CLÍNICAS DE TRÂNSITO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - ACTRANS.

Com os cordiais cumprimentos e respeito, esperamos haver prestado as informações concernentes, colocando-nos à disposição de V. Exª. para quaisquer outros informes e demais providências que porventura ainda se façam necessárias.

 

 

Atenciosamente,

 

 

 

Luisa de Oliveira Drumond

Delegada de Polícia – MASP: 1.333 .096-4

Chefe da Assessoria Jurídica do DETRAN/MG

 

 

 

 

EURICO DA CUNHA NETO

Delegado Geral de Polícia – MASP 386.037-6

Diretor do DETRAN-MG

  


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Documento assinado eletronicamente por Luisa de Oliveira Drumond, Delegada de Polícia, em 25/03/2022, às 16:58, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 47.222, de 26 de julho de 2017.


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Documento assinado eletronicamente por Eurico da Cunha Neto, Diretor do Departamento de Trânsito de Minas Gerais, em 25/03/2022, às 17:00, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 47.222, de 26 de julho de 2017.


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